A recomendação do Ministério Público Federal para que a reforma da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), promovida pela Lei 14.230/2021, seja aplicada apenas a casos novos, e não aos que já estão em tramitação, afronta a Constituição e busca manter estratégia de expor os acusados na imprensa. É o que afirmam 14 renomados advogados em artigo.

Para advogados, recomendação do MPF viola garantia fundamental dos cidadãos
João Américo/Secom/MPF

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF emitiu orientação e nota técnica abordando uma pretensa irretroatividade dos efeitos benéficos da Lei 14.230/2021. Segundo a orientação, a norma incluiu o dolo como requisito para configuração de um ato de improbidade. E, ao fazê-lo, teria limitado a atuação do MP na tutela do bem jurídico ao bom governo. Assim, o MPF afirma que as novas regras não podem ser aplicadas a atos de improbidade ocorridos antes do início da sua vigência.

Os advogados afirmam que, para o MPF, a proteção da moralidade no exercício de funções públicas (artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição) prevalece sobre a aplicação de uma garantia fundamental do cidadão — a de que a lei retroage para beneficiar (artigo 5º, XL, da Constituição), que é uma cláusula pétrea, pois não pode ser objeto de emenda tendente a aboli-la (artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição).

“Ou seja, haveria um bem maior, indeterminado e abstrato, a moralidade, que justificaria derrogar premissas do devido processo legal (este também de assento constitucional). A orientação e a respectiva nota técnica intentam criar uma interpretação baseada num tipo de ‘razão de Estado moral’ para esvaziar garantia que sequer poderia ser objeto de emenda constitucional. Criou-se um entendimento, que se quer mandatório, a partir de um encontro inusitado entre o imperativo categórico de Kant e o decisionismo de Carl Schimdt. Um feito”, opinam os advogados.

Porém, destacam, o problema não para na “construção tortuosa da prevalência de um valor abstrato sobre um comando constitucional concreto”. A orientação, segundo eles, “tropeça em entender que exigir o dolo para condenar alguém por improbidade seria um enfraquecimento na proteção ao bem jurídico moralidade pública”.

Os advogados citam que, conforme estudo do Conselho Nacional de Justiça de 2015, anterior à reforma, apenas 4% das ações de improbidade ajuizadas no país resultaram em reparação integral do dano causado ao Erário; 6%, em reparação parcial; e 90%, em reparação alguma.

“O que a reforma da Lei de Improbidade Administrativa faz é recolocar a lei para cumprir seus objetivos constitucionais: coibir o locupletamento e a depauperação do patrimônio público, condutas que pressupõem o agir consciente. A menos que os procuradores entendam que é moral punir gestor público por discordância de posição ou de escolha política. Para fortalecer a moralidade, propala-se uma conduta que afronta a moral”, declaram.

Eles também afirmam ser comum que o ajuizamento de uma ação de improbidade administrativa seja antecedido e sucedido de ampla divulgação, “com finalidade de carrear ao acusado todos os ônus de imagem decorrentes da acusação”.

“Impor um controle maior no ajuizamento da ação, mediante a explicitação do dolo, parece interferir mais diretamente nesse tipo de comportamento — que não é característico de toda uma carreira, embora esteja presente na atuação de alguns profissionais”, opinam.

Por fim, manifestam expectativa de que o Conselho Nacional do Ministério Público acolha representação formulada pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, e “faça esvaziar de efeitos uma orientação francamente inconstitucional”. Também ressaltam que competirá ao Judiciário repelir a aplicação automática da orientação.

O artigo é assinado pelos seguintes advogados: Alberto Zacharias ToronAntonio Cláudio Mariz de OliveiraDanyelle Galvão, Floriano de Azevedo Marques NetoGustavo BadaróIgor Sant’Anna TamasauskasIlana Martins LuzJosé Luis Oliveira LimaLuis Fernando MassonetoPierpaolo Cruz BottiniRicardo PenteadoSarah Merçon-VargasSebastião Botto de Barros Tojal e Sérgio Rabello Tamm Renault.

https://www.conjur.com.br/2021-dez-08/orientacao-mpf-lia-viola-constituicao-dizem-advogados

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